Ecogenocídio: meio século de ocupação predatória e violenta, diz Dossiê
Lançado durante o 11º Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília, o Dossiê Terra e Território do Cerrado é um documento histórico, fruto de uma pesquisa ampla e detalhada sobre diferentes aspectos do bioma.
Letícia Jury
19 de setembro de 2025
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Antes de falarmos especificamente sobre o tema do artigo, vamos apresentar alguns significados. Você sabe o que é eco-genocídio? O termo une duas dimensões inseparáveis: ecocídio e genocídio. O ecocídio refere-se à destruição sistemática de ecossistemas, com impactos profundos e, muitas vezes, irreversíveis sobre a biodiversidade, os ciclos naturais e a capacidade de regeneração da vida. Já o genocídio diz respeito ao extermínio, à violência ou ao apagamento de povos e comunidades, seja pela perda de territórios, pela degradação ambiental que inviabiliza seus modos de vida, ou ainda pela violência direta contra aqueles que resistem.
Quando falamos em eco-genocídio, portanto, nos referimos ao processo histórico em que a devastação ambiental anda lado a lado com a violência contra povos tradicionais, indígenas e camponeses. No Cerrado, isso se traduz na substituição de florestas e campos por monoculturas, no envenenamento de solos e águas por agrotóxicos, no avanço de grandes projetos de mineração e energia, e no deslocamento forçado ou até assassinato de comunidades que resistem.
Lançado durante o 11º Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília, o Dossiê Terra e Território do Cerrado é um documento histórico, fruto de uma pesquisa ampla e detalhada sobre diferentes aspectos do bioma. Para este artigo vamos abordar um capítulo específico: “O início do eco-genocídio no Cerrado: meio século de ocupação pretória e violência”, de autoria de Diana Aguiar e Carlos Walter Porto-Gonçalves.
Segundo os autores, historicamente invisibilizado e tratado como terra nullius, o Cerrado foi apropriado e explorado sem limites, em um processo de eco-genocídio arquitetado sobretudo pelo Estado brasileiro. Durante a ditadura empresarial-militar, a expansão da monocultura de commodities foi justificada como alternativa para conter o desmatamento da Amazônia, reforçando uma hierarquização ecológica equivocada entre as regiões.
Essa estratégia, impulsionada também pela pressão internacional pela preservação da floresta amazônica a partir dos anos 1970, resultou não apenas na devastação do Cerrado, mas também em sua transformação na principal via de avanço da destruição sobre a Amazônia, especialmente no chamado arco do desmatamento, situado no ecótono Cerrado-Amazônia.
Diana Aguiar e Carlos Walter fazem todo um estudo histórico sobre a articulação intrínseca entre Ecocídio e Genocídio, que está representada pelo fato de que a intensificação da devastação está acompanhada do acirramento da violência no campo. Entre 2003 e 2018, 40,5% das lo[1]calidades onde ocorreram conflitos por terra no campo brasileiro estavam nos Cerrados e seus ecótonos.
É um estudo que merece ser interpreado, analisado e discutido dentro e fora das universidades. Ao final, os autores apontam que a soja se consolidou como o principal motor da monocultura no Cerrado e tornou-se símbolo do eco-genocídio na savana brasileira, estando associada a inúmeros conflitos denunciados no Tribunal Permanente dos Povos.
No entanto, a devastação também é intensificada por outros empreendimentos, como os monocultivos de eucalipto, cana-de-açúcar, algodão e arroz — que consomem grandes volumes de água, contaminam solos e rios com agrotóxicos e, em alguns casos, recorrem a trabalho análogo à escravidão —, pelas pequenas centrais e usinas hidrelétricas que alteram cursos d’água, pelos megaprojetos de mineração responsáveis por desastres ambientais de grandes proporções e, ainda, por obras logísticas de transporte que viabilizam o escoamento das commodities ao mercado internacional.
Quem ainda não baixou o arquivo campanhacerrado.org.br.