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“Precisamos tomar decisões assertivas, ágeis e eficientes”, diz pesquisadora sobre a preservação do Cerrado

Nesta nossa primeira conversa aqui no Baru, Mariana Telles, que é bióloga, mestre em Agronomia e doutora em Ciências Ambientais fala sobre as estratégias de conservação adotadas para a proteção do bioma Cerrado, desperta a atenção para a conscientização do cidadão que precisa conhecer as políticas públicas e ser protagonista em sua execução. Os impactos das mudanças climáticas no bioma Cerrado e a importância das áreas protegidas também foram discutidos com a pesquisadora.

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Letícia Jury

13 de maio de 2024

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Quem acompanha a professora e pesquisadora Mariana Pires de Campos Telles no Instagram observa a quantidade de projetos, atividades e ações que ela realiza e participa. Na última postagem da segunda semana do mês de maio, ela trouxe fotos e informações sobre a participação na Monitoria do ‘PAT Veredas Goyaz-Geraes’, em Alto Paraíso. Nos últimos dias, ela também participou das discussões da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que ocorreram em Goiânia, sem falar na coordenação do programa Araguaia Vivo 2030, que será a nossa próxima pauta de entrevista.

Nesta nossa primeira conversa aqui no Baru, Mariana Telles, que é bióloga, mestre em Agronomia e doutora em Ciências Ambientais, orientadora em programas de pós-graduação da PUC Goiás e da Universidade Federal de Goiás e que tem experiência nas áreas de Genética e Genômica, com ênfase em Genética de Populações, Ecologia Molecular, Marcadores Moleculares e Conservação do Cerrado, fala sobre as estratégias de conservação adotadas para a proteção do bioma Cerrado, desperta a atenção para a conscientização do cidadão que precisa conhecer as políticas públicas e ser protagonista em sua execução. Os impactos das mudanças climáticas no bioma Cerrado e a importância das áreas protegidas também foram discutidos com a pesquisadora.

Mariana Telles atualmente é presidente da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG), Conselheira do Conselho Federal de Biologia (CFBio) e membro da CFAP do CRBio04 (Conselho Regional da 4ª Região) e do CFBio. Nesta entrevista ao Baru, ela apresenta uma visão ampla, didática e consciente dos desafios do Cerrado e sobre perspectivas e conquistas.

Letícia Jury - Quais as principais estratégias de conservação adotadas atualmente para proteger o bioma Cerrado?

Mariana Telles - As principais estratégias que estão sendo adotadas, ou que pelo menos deveriam estar, estão relacionadas com a Política Nacional da Biodiversidade, que tem relação com outras políticas públicas tanto nacionais quanto internacionais. Elas focam e estão vinculadas também com a Convenção da Diversidade Biológica, que estabelece metas e objetivos que os países precisam alcançar em um determinado período de tempo, assim como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que se relacionam com a questão da conservação. Mais especificamente no Brasil, observa-se que grande parte da pesquisa está relacionada com o desenvolvimento de atividades nas universidades e nos centros de pesquisa; uma grande parte está vinculada também com a Embrapa e algumas Ongs. Na minha opinião, estamos desenvolvendo trabalhos isolados, nas diferentes áreas. Assim, existem atividades de conservação relacionadas com o bioma no nível de uso sustentável dos recursos naturais e genéticos vinculados ao Cerrado, turismo ecológico, pensando no envolvimento das comunidades com o próprio Cerrado, o que contribui também para a conservação. Precisamos de ações conduzidas de forma multiprofissional considerando as ciências naturais, humanas e exatas, desenvolvida por diferentes grupos de pesquisa ou atores em relação ao Cerrado. Lembrando que temos as instituições de fiscalização e controle, como o Ibama e o ICMBio, que são super importantes, além dos equivalentes nas esferas municipais e estaduais, no nosso caso, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e secretarias municipais.

Letícia Jury - Como a fragmentação e a perda de habitat afetam a biodiversidade do Cerrado e quais estratégias tem sido propostas para mitigar esses impactos?

Mariana Telles - Afetam de forma muito significativa a biodiversidade do Cerrado, e diferentes estratégias dentro das políticas públicas estão sendo executadas ou planejadas pensando na mitigação dos impactos. O fato é que temos visto que as ações que estão sendo realizadas não estão sendo suficientes, porque temos um estágio muito avançado de degradação e perda de habitats. Isso tem relação com a persistência das espécies e das questões das mudanças climáticas, com alterações muito acentuadas do clima que também vão ter relação com a produtividade e com a alimentação. Nós precisamos, de fato, acelerar estas ações e pensar em novas soluções para questões que acompanhamos há muito tempo, para se ter um resultado mais efetivo.

Letícia Jury - Quais são os principais desafio enfrentados na implementação de estratégias eficazes de conservação do Cerrado?

Mariana Telles - Os principais desafios que enfrentamos quanto à implementação de estratégias mais eficazes de conservação do Cerrado esbarram em duas questões. Primeiro, do lado dos órgãos públicos que executam as políticas públicas, precisamos ter uma efetividade maior e uma continuidade das políticas. Por outro lado, a população é pouco educada para ter consciência das consequências e entender que existe um papel muito importante do cidadão na execução dessas políticas públicas. Não basta existir a política, que é uma competência dos responsáveis por fazer e repensar a legislação, mas também o desdobramento disso em todas as instituições e em toda a sociedade é fundamental. O cidadão precisa entender que faz parte disso. É só tendo essa consciência que conseguiremos contribuir com políticas públicas que existem e precisam ser implementadas de forma eficiente e ao longo do tempo, sem interrupção.

Letícia Jury - Como as mudanças climáticas estão afetando o Cerrado e quais medidas estão sendo tomadas para proteger o bioma diante dessas ameaças? 

Mariana Telles - Temos muitos trabalhos que mostram o impacto das mudanças climáticas afetando o Cerrado. Do ponto de vista teórico e de análise de dados, temos grupos de diferentes áreas em todo o Brasil mostrando, evidenciando e explicando as evidências. No entanto, ainda enfrentamos a lentidão na execução de proteção efetiva deste bioma. Muitas espécies sequer foram descritas de forma correta, o nível de conhecimento ainda é tímido (existem muitas lacunas), e só a partir de um conhecimento mais elaborado será possível avaliar as consequências desta realidade que estamos vivendo com relação às mudanças climáticas. De fato, para não passarmos para um ponto de não retorno, precisamos canalizar esforços de toda a sociedade, tanto técnica quanto leiga, para conseguir tomar decisões assertivas, ágeis e eficientes.

Letícia Jury - Qual o papel das áreas protegidas, como parques e reservas, na conservação do Cerrado e como essas áreas podem ser melhor gerenciadas para garantir a preservação da biodiversidade? 

Mariana Telles - O papel das áreas protegidas é muito importante para a conservação do Cerrado, mas precisam ser melhor gerenciadas com uma parceria público-privada para garantir de fato a preservação da biodiversidade. Isso precisa ser monitorado e avaliado constantemente. Não basta cercar uma área e achar que está tudo bem e tudo protegido, pois qualquer ecossistema tem uma dinâmica que precisa ser preservada. O que precisamos executar de fato é a preservação dos processos biológicos que estão ocorrendo entre as espécies do bioma Cerrado, para termos a efetividade dessas áreas de proteção permanente, incluindo aí as áreas protegidas em todos os níveis da federação, assim como as privadas. Isso fará diferença na conservação e preservação da dinâmica deste bioma tão importante que é o Cerrado.  

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