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"Nossa ancestralidade é nossa identidade" destaca Alcileia Torres

Jovem quilombola de 19 anos diz que optou pelo curso de Jornalismo, pois acredita que através dele é possível levar as vozes da comunidade para as mídias. "A grande mídia não mostra essas vozes; a grande mídia só mostra o que elas realmente querem, não abordam os assuntos que são fundamentais", pontua.

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Letícia Jury

09 de maio de 2024

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Aos 19 anos, ela se apresenta no Instagram como Guardiã da Ancestralidade Kalunga, criadora de conteúdo digital, escritora, poetisa e acadêmica. Estou falando da Alcileia Torres, que revela-se em três palavras: Ancestralidade, Pretitude e Diversidade. Sua essência ecoa em cada postagem na rede social, onde sua voz ressoa: "Nossa Ancestralidade é a nossa Identidade." Filha de dona Neusa e seu Alvino, neta de dona Joana, Alcileia é da comunidade de Vão de Almas, em Cavalcante de Goiás. Em entrevista para o primeiro episódio do podcast do Baru, ela fala um pouco de como a escrita, a tecnologia e o jornalismo entraram em sua vida.

Letícia Jury: Fale um pouquinho sobre você, sua idade, de qual comunidade faz parte?

Alcileia Torres: Eu tenho 19 anos, sou quilombola Kalunga da Comunidade de Vão de Almas, em Cavalcante de Goiás, que é um dos três municípios que compõem o maior território quilombola do Brasil, em extensão territorial, que é o Quilombo Kalunga. Eu nasci em Cavalcante, e minha mãe retornou à comunidade, onde cresci, até quando completei os 18 anos. Em janeiro de 2023, vim para a zona urbana em busca de trabalho e para fazer o ensino superior.

Letícia Jury - Atualmente você mora em Cavalcante?

Alcileia Torres - Sim, em Cavalcante, cerca de 80 quilômetros da minha comunidade. Hoje sou estudante de Jornalismo. E minha escolha por este curso acarreta inúmeros fatores. Eu lembro que em 2015, eu estava no 5º ano e teve um desafio para as escolas municipais de Cavalcante, onde os alunos fariam redações, e quem conseguisse tirar uma nota maior seria premiado. Foram vários temas como o lixo nas comunidades, o lixo no festejo da comunidade, sobre o trabalho infantil, sobre a exploração sexual infantil, sobre a importância dos estudos e fizemos esta redação.

Letícia Jury- E qual foi o resultado deste desafio?

Alcileia Torres - Em março de 2016, eu já estava no sexto ano e saiu o resultado e fui a aluna que tirou a maior nota. Inclusive a maior nota foi para o tema sobre a importância do estudo, e citei o meu pai, a importância de estudar, pois na época dele não teve oportunidade, e naquela época nós tínhamos e ele faria de tudo para os meus irmãos e eu estudarmos. Ele havia sido segregado em um direito que era dele. E eu levei esta história para a redação e fui premiada. Depois fui para Goiânia, representando o município, recebi o prêmio que foi um tablet. Desde então comecei a escrever e sempre gostei de registrar as coisas e assim comecei a escrever e deixava guardados. Quando eu estava no 1º ano eu me tornei mãe aos 15 anos. Não saí da comunidade para concluir o ensino médio, para não ser mais uma vítima da evasão escolar, mais uma para a estatística. Estando na comunidade, minha mãe me apoiou, e terminei meus estudos.

Letícia Jury -  Como teve início o uso das redes sociais para compartilhar suas ideias?

Alcileia Torres - Começou em 2021. Minha filha estava com alguns meses, e pensei: "Preciso levar tudo que tenho para as pessoas verem", e a tecnologia entrou como ferramenta crucial neste processo. Então, eu lembro que meu primeiro vídeo foi recitando uma fala da Verinha: “Não precisamos ser negros para lutarmos contra o racismo, só precisamos ser humanos”. No segundo vídeo, recitei uma poesia específica que fiz sobre o racismo, e daí foram outros temas: a desigualdade de gênero, racial, social. Fui entrando na minha história, minha identidade, percebi que eu estava no processo de salvaguarda da nossa identidade, da nossa ancestralidade. Comecei a gravar vídeos com anciãos, fazer perguntas sobre a nossa história, e foi assim. Hoje, me considero como guardiã da ancestralidade kalunga, porque utilizo a tecnologia, as ferramentas, em prol da nossa salvaguarda. Compreendo que, como jovem, preciso buscar os nossos anciãos para fazer o resgate dessa história, para honrar toda essa luta e resistência dos nossos ancestrais, manter vigente nossa identidade e também em prol das futuras gerações.

Letícia Jury - Neste momento que você optou por fazer a faculdade de Jornalismo?

Alcileia Torres - Descobri em 2021 também que queria cursar Jornalismo, que através dele eu posso levar essas vozes para as mídias, porque a grande mídia não mostra essas vozes; a grande mídia só mostra o que elas realmente querem, não abordam os assuntos que são fundamentais. Então, decidi estudar Jornalismo para dar voz ao nosso povo, que sempre foi, até hoje, invisibilizado, e também mostrar que nós existimos, e também usar a parte do cinema, do audiovisual, neste processo de salvaguarda da nossa ancestralidade.

Quer ouvir toda esta história? Acessa o primeiro episódio do nosso podcast no link Nossa ancestralidade é nossa identidade | Baru Observatório | Baru Observatório (baruobservatorio.com.br)

 

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