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Da curiosidade da infância à pesquisa de Mestrado: o Folclore na vida do historiador Maximiliano Corrêa

Nesta entrevista ao Baru, ele fala sobre o que o levou a pesquisar a temática, os primeiros resultados da pesquisa, as contribuições e suas expectativas com a temática. Além, é claro, do seu olhar sobre o objeto pesquisado e a realidade que o cerca.

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Letícia Jury

01 de maio de 2024

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Maximiliano Ruste Paulino Corrêa é graduado em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER). É professor de História Antiga e Medieval no Movimento Educação Livre, do Instituto Federal de Goiás, além de trabalhar com redações e técnicas de escrita. No âmbito dos projetos acadêmicos, aceitou recentemente o convite para reestruturar a Comissão Anapolina de Folclore, com a expectativa de trazer a público muitos projetos na área da Folclorística, a nível de pesquisa, etnografia e atuação legal na proteção do direito social de manifestação cultural. Nesta entrevista ao Baru, ele fala sobre o que o levou a pesquisar a temática, os primeiros resultados da pesquisa, as contribuições e suas expectativas com a temática. Além, é claro, do seu olhar sobre o objeto pesquisado e a realidade que o cerca. 

Letícia Jury - O que te levou a pesquisar sobre o Folclore?

Maximiliano Corrêa - Max Weber dizia que o que primeiro motiva um pesquisador é sua paixão pelo objeto, para apenas então partirmos em busca da neutralidade axiológica. Acredito que essa máxima resume bem minha trajetória até aqui. Cresci em ambientes verticalmente distintos do ponto de vista cultural, social e econômico, com formas de enxergar o mundo, assim como de vivenciá-lo bastante distantes. Por um lado, nasci no interior do estado de Goiás, na cidade de Nazário, que à época não gozava de mais que 10 mil habitantes, com um modo de vida muito próprio ainda do século XX, desde costumes, fé e indumentária à própria etiqueta e traquejo social, o que desde muito cedo me encantava, enxergava uma certa graciosidade naquele modo tão bem estruturado de se viver tão próprio da época.

Letícia Jury - Era uma curiosidade da infância?

Maximiliano Corrêa - Para me distrair, meu passatempo favorito era recriar no vasto quintal de minha avó as várias lendas de pai-do-mato e mula-sem-cabeça que me contava; participava das novenas e procissões – ao modo clássico, bem diferentes em forma e composição das atuais – e aprendia com a dona Nilza, minha saudosa avó, como plantar e cuidar de seu pomar, como fazer doces com seus frutos; por pior que fosse no ofício, ainda assim sabia como fazer a mão um peão – ou pipa, papagaio, raia, a depender do local do Brasil – e disputar o orgulho da família num jogo de biloca. As épocas do ano eram marcadas pelos festejos de santos e folias – cujas músicas ecoavam pela cidade antes do sol nascer – e pelos plantios e colheitas. À porta de minha casa, inclusive, secava-se arroz todos os anos; de fato, acho que o dourado dos grãos entrou em meus olhos para não mais saírem. A doença, antes do médico, passava pelo julgo do benzedor e dos chás de minha avó. 

Letícia Jury - Mas havia uma dubiedade entre o interior e a capital? Você me contou que morou em Campinas (SP). 

Maximiliano Corrêa - Sim, em algumas épocas do ano também morava em Campinas, São Paulo. A cidade apresentava um cenário diferente, arrojado e bastante dinâmico daquele que eu conhecia – e, ainda assim, falava a mesma linguagem do povo em todos os grafites pelos prédios e viadutos. 

Letícia Jury - Quando chegou em Anápolis? Qual foi o seu olhar? A sua percepção?

Vim morar em Anápolis já na graduação e comecei a questionar a ausência desses elementos de modo tão efetivo por aqui como era a alguns quilômetros de distância, no interior do estado do qual eu vinha. Foi quando decidi pesquisar as permanências e modificações do lobisomem em solo brasileiro em comparação ao seu antecessor português por brincadeira e, por aconselhamento do professor Ademir Luiz da Silva. Após o trabalho concluído, decidi começar a pesquisar a Folclorística enquanto campo de estudo e seu objeto (com todas as suas variedades) de modo sério e científico. De lá para cá, muita coisa mudou em mim, enquanto pesquisador e intrapessoalmente, menos minha paixão pelo folclore.

Letícia Jury - O que os primeiros resultados da pesquisa já te mostraram?

Maximiliano Corrêa - Gosto de pensar que minha pesquisa atual sobre as modificações na percepção temporal do povo goiano ao longo de seus trezentos anos de história, sendo desenvolvida no mestrado, é um desdobramento de uma pesquisa mais ampla, que são meus estudos na área do folclore de modo geral. Assim sendo, retomo uma prerrogativa já antiga dos folcloristas, embora pouco discutida academicamente ou mesmo socialmente, que é a dinâmica do folclore. Richard Dorson, folclorista norte-americano, dizia que “a ideia de que o folclore está morrendo, por si só, é um tipo de folclore”. Concordo com ele, pois a crença de que o folclore está em vias de extinção é quase tão antiga quanto a crença de que o mundo vai acabar em datas redondas (como o ano 1000 ou 2000) e, no entanto, tanto o mundo quanto o folclore continuam existindo e resistindo. Para isso, a tradição usa de diversos mecanismos para continuar funcionando, modificando-se, sem abandonar traços milenares. Um destes mecanismos, que tem chamado a atenção na minha pesquisa atual, é o uso de elementos estrangeiros para repensar o elemento tradicional na cultura brasileira.

Letícia Jury - Fale um pouco sobre o calendário, que é um dos objetos centrais da sua pesquisa

Maximiliano Corrêa - Sim, o calendário, um dos objetos centrais de minha pesquisa, é provavelmente um dos parâmetros atuais mais populares dentro de uma lógica oficial de marcação de tempo. No entanto, o tempo folclórico se mede por várias outras vias, como as estações, plantio, colheita, datas sagradas, luas, constelações e mesmo as horas e dias da semana (oficialmente cronometrados) são reestruturados segundo sua lógica. Dentro deste escopo, tem me chamado e de meu orientador, professor doutora Eliezer Cardoso de Oliveira, a maneira como festividades estrangeiras, que se constituem em marcações de tempo, tem adquirido maior destaque em determinados pontos do estado de Goiás que festas tradicionais do folclore local sem, entretanto, abandonar completamente a roupagem tradicional que tem em seu país de origem. O Halloween norte-americano é um exemplo de celebração que vem sendo mais e mais incorporada nos cenários goianiense e anapolino, com suas decorações, bailes e “doces ou travessuras”. Um cenário como este obriga o pesquisador do folclore a revisar tudo o que, até então, se considerou ser ou não tradição e como o fator da identidade de um povo opera através dela.

Letícia Jury -  Como pretende utilizar os resultados da pesquisa para avançar nos estudos da área?

Maximiliano Corrêa - Primeiramente precisamos pensar que a Folclorística é, no Brasil de hoje, uma área de poucos estudiosos. Preferindo se organizar em Comissões Estaduais de Folclore para atuar diretamente na preservação e salvaguarda da cultura popular, o discurso dos folcloristas se afastou gradualmente da Universidade – o retorno à Academia, inclusive, é uma luta de boa parte dos folcloristas contemporâneos. Para encerrar a questão, com o Golpe de 1964, os militares acabaram encerrando os projetos dos folcloristas e promovendo um arrefecimento imenso dos estudos na área da década de 70 em diante. Enquanto isso, a Folclorística continuou avançando epistemologicamente no exterior: nomes como Krawczyk-Wasilewska e Galit Hasan-Rokem são interessantes para se observar esta afirmação. Penso que repensar o efeito que elementos estrangeiros tem no folclore goiano – e, por extensão, brasileiro – é não só uma possibilidade de repensar o conceito de tradição dentro da Folclorística brasileira, que se mantém a mesma desde a Carta Brasileira de Folclore, como também uma forma de repensar a influência e o diálogo que a Folclorística não-brasileira pode estabelecer com a grandeza do que já temos produzido no Brasil.

Letícia Jury - Como serão apresentados os resultados da pesquisa e a discussão da temática?

Maximiliano Corrêa - A nível popular, penso que, caso tudo ocorra bem, um livro condensado elucidando a questão a questão seria muito interessante. De toda forma, pensar em discutir publicamente folclore passa primeiramente pela necessidade de se discutir o que é folclore, visto o abismo da compreensão usual do termo para as considerações científicas sobre o que é folclore. Com isso em vista, eu e professor Eliezer, cuja experiência indubitavelmente precede a minha, ao longo da pesquisa, ainda devemos debater bastante os caminhos para os quais a discussão deve caminhar para que não apenas alcance a maior quantidade de pessoas, mas principalmente para que isso seja feito da forma mais didática possível.

Letícia Jury - Com a sua experiências e seus estudos, você observa que há pouca divulgação do tema nos veículos de comunicação de massa?

Maximiliano Corrêa - Como disse, com o arrefecimento da pauta a partir da década de 70, o tema do ponto de vista científico entrou um ostracismo visível. Às vezes me deparo com um canal ou perfil em mídias sociais que se propõe a debater o tema, mas normalmente como um curiosismo ou objeto de especulação. Aqueles que se propõe a fazê-lo de forma séria raramente tem visibilidade, são raras as exceções. Um professor meu sempre me diz que a razão por trás disso é que o termo “folclore” envelheceu mau. Penso diferente. Em realidade, acredito que não há interesse em se discutir a identidade pautada na tradição, uma vez que a cultura de massa é aquela realmente capaz de tornar a cultura algo rentável. Ou seja, enquanto a cultura de massa não só é produto e produz a lógica do mercado cultural, a cultura folclórica se engasga para sobreviver à tecnocracia atual do mercado cultural. 

Letícia Jury - Isto é visível também no turismo cultural, não é mesmo?

Maximiliano Corrêa - Sim e que apesar dos esforços dos órgãos responsáveis, só veem dois caminhos à sua frente: se tornam estáticos e abandonam a dinâmica própria do folclore para manterem seu status oficial de patrimônio – e produzindo lucro – ou vão se alterando e se descaracterizando progressivamente para se adaptar às demandas do mercado. Este último cenário, retomando a pergunta anterior é questão feita, é notável nas produções audiovisuais da televisão e dos recentes streamings que se baseiam nas lendas brasileiras: nelas, as mitologias de povos que ainda acreditam nestes mitos, que possuem forte importância simbólica e ritual em seu cotidiano, como indígenas e populações ribeirinhas, são completamente readequadas para agradar o paladar de partes da população brasileira numa suposta antropofagia cultural, quando em verdade o que se tem é uma descaracterização da cultura tradicional para que haja uma adequação aos padrões dos trillers norte-americanos ou mesmo uma infantilização no mínimo ofensiva de mitos importantes para diversos grupos sociais. De fato, ainda temos muito o que caminhar em matéria de folclore nas mídias de massa antes de pensarmos a Folclorística, enquanto área de estudo, dentro desses espaços.

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