Tempestade perfeita no campo faz consumidor pagar mais pelo suco
Estoques de 2023 das indústrias recuam 41% em relação aos da safra anterior
12 de setembro de 2023
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A citricultura brasileira viveu uma tempestade perfeita na safra 2022/23. O clima castigou os laranjais, o greening avançou e afetou a produtividade, houve redução na oferta de frutas, perdas e atraso na colheita, além do registro de menor qualidade da laranja, o que exige mais caixas da fruta para a obtenção de uma tonelada de suco.
O resultado é que os estoques finais de suco de laranja das indústrias brasileiras terminaram a safra 2022/23 (de julho de um ano a junho do seguinte) em 85 mil toneladas, uma queda de 41% em relação aos do ano passado e apenas 11% do volume de há dez anos.
Essa queda acentuada dos estoques de suco FCOJ (suco concentrado e que é consumido como suco reconstituído) encarece o produto para o consumidor, que não terá folga nos preços a curto prazo. É a terceira queda seguida nos estoques, que estavam em 471 mil toneladas em 30 de junho de 2020.
As negociações no mercado internacional apontam para a forte aceleração dos preços. Em agosto do ano passado, a tonelada era negociada a US$ 2.500 na Bolsa de commodities de Nova York. No mesmo período deste ano, o valor subiu para US$ 4.500, uma alta de 80%.
Internamente, a caixa de laranja, que vem registrando preços recordes nas negociações entre indústria e produtor, esteve em R$ 45 na média de agosto deste ano, um aumento de 45% em relação a igual mês do ano passado.
É o quarto ano seguido de queda de produtividade. Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBr, diz que a estimativa era de uma moagem de 277 milhões de caixas de 40,8 kg pela indústria na safra que se encerrou. Devido a perdas por clima e dificuldades na colheita, a moagem ficou em 265 milhões.
Com isso, a projeção inicial de produção de suco, que era de 1,03 milhão de toneladas, não se confirmou, caindo para 945,5 mil toneladas na safra 2022/23. Clima, dificuldades de mão de obra e atraso na colheita provocaram uma perda de 82,5 mil toneladas de suco.
Sem essa perda, o volume final dos estoques poderia ter ficado próximo de 160 mil toneladas, pressionando menos o mercado.
Os efeitos do clima são de difícil controle e estão cada vez mais frequentes, mas projeto de lei na Câmara dos Deputados quer regular melhor a oferta de mão de obra para as culturas perenes, como café, cana e laranja.
Quem recebe benefício do governo não pode ter registro em carteira, o que inibe as contratações temporárias nesses setores. O projeto de lei quer dar uma carência de alguns meses nessa obrigatoriedade para que os trabalhadores possam ser contratados e registrados durante os picos de safra, sem perder os benefícios governamentais.
O Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), que acompanha diariamente esse setor de citricultura, atribui os preços elevados no setor à baixa oferta de frutas, à demanda maior por parte das indústrias, que estão com um volume reduzido de estoques, e à concorrência das laranjas que são destinadas à mesa do consumidor.
A citricultura vem passando por um processo de desaceleração há vários anos. O consumo mundial recua, e o Brasil, líder mundial em produção e exportação, sente essa desaceleração.
Na safra 2015/16, a área com pomar em produção era de 403 mil hectares no cinturão citrícola de São Paulo e de Minas Gerais. Vem recuando ano a ano e, em 2023/24, é de 337 mil hectares. O número de árvores produtivas passou de 174 milhões para 169 milhões no mesmo período.
Já a produtividade média de caixas por hectare subiu de 745 para 918, mas, atualmente, 24% das árvores são afetadas pelo greening, acima dos 18% de 2015/16, segundo o Fundecitrus.
O reflexo da alta da matéria-prima acaba afetando o consumidor, diz Netto, uma vez que o piso do preço da laranja passa a ser o valor pago pela indústria.
Ele não vê aumentos significativos de preços adiante, mas também não há perspectivas de uma recomposição rápida dos estoques no setor. Seriam necessárias safras bem gordas para essa recomposição, afirma.
Do lado externo, a situação também não é boa. A Flórida, que produzia 242 milhões de caixas de laranja há duas décadas, deve terminar a safra 2022/23 com 15 milhões. Redução de área, clima adverso e doenças nos laranjais têm provocado forte redução na produção desse estado americano.
México e Espanha estão no mesmo caminho. Fortes secas têm reduzido a produção desses países, onde a concorrência do mercado de fruta "in natura" com a indústria é grande.
A redução dos estoques ocorre após uma elevação do consumo durante a pandemia, provocada pela busca das propriedades da vitamina C. Netto destaca, ainda, o maior consumo em casa, devido ao home office e a um retorno do mercado food service.
O diretor da CitrusBr afirma, no entanto, que é ainda difícil dimensionar a demanda. Os estoques caíram, os preços aumentaram, e só com uma oferta normal de suco será possível essa avaliação. "Hoje não há produto para testar a demanda."
O consumo americano aparentemente deu uma estabilizada em 500 mil toneladas, mas é um mercado volátil, e a cada ponto percentual de aumento nos preços há um recuo de dois pontos no consumo. A diversidade de produtos é grande, o que facilita uma migração, diz Netto.
A demanda da Europa também ainda precisa ser avaliada. Enquanto os alemães são mais sensíveis a preços, os franceses buscam mais a qualidade. Já os chineses surpreendem e mantêm consumo estável, ficando com 7% das exportações brasileiras.