Logo Baru Observatório

Quem (realmente) se preocupa com o clima e o meio ambiente?

Só em 2022, mais de 520 brasileiros e brasileiros  foram assassinados pelas injustiças ambientais e climáticas e ao menos 7.300 precisaram se deslocar por conta dos mesmos extremos. Logo, quem vive — ou sobrevive — após testemunhar esses episódios possivelmente não ficaria imune aos receios sobre o meio ambiente. São nuances e camadas de medos e vivências, que mostram o abismo entre preocupação e conhecimento na prática.

12 de abril de 2024

Compartilhe nas redes sociais

Andreia Coutinho Louback (Nexo)

Uma pesquisa recém-lançada nos traz algumas pistas. Os dados do estudo “  Mudanças climáticas na percepção dos brasileiros 2022 “, lançado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade de Yale e o Ipec, mostrou que, para 90% dos brasileiros e brasileiras, os desastres e tragédias climáticas estão mais presentes do que nunca. Na dimensão individual, quase 52% estão muito preocupados com o meio ambiente, enquanto 70% consideram que o aquecimento global pode ser muito prejudicial às próprias vidas.

O levantamento não apenas mostra o entendimento e a preocupação da população do Brasil com a emergência climática, como também aponta que os governos e o setor privado são os atores que — de fato — podem solucionar o problema. Além da amostragem da pesquisa, que entrevistou 2.600 pessoas entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, temos um contra-argumento frente ao estereótipo de que a sociedade brasileira não se interessa pela temática do clima.

Poucos dias atrás, eu estava na fila de uma livraria esperando a minha vez de pagar. Um senhor, que nunca tinha visto antes, puxou assunto e perguntou o que eu fazia da vida. “Sou jornalista e ambientalista”, respondi. Bastou a minha breve resposta para que o espírito negacionista vomitasse toda a sua descrença sobre a crise climática. Ele, que se apresentou como geólogo, cordialmente tentou me convencer de que ”isso tudo” é fake news e conspiração. Eu tinha duas opções: travar uma discussão construtiva ou destrutiva. Porém, olhei para o relógio e, como realmente tinha pressa, escolhi pegar o contato dele para enviar dados, pesquisas, vídeos e argumentos disponíveis — que talvez ele nunca verá.


Quando partimos do contexto e da geografia racial, quem mora em favelas, periferias e comunidades tradicionais nem precisa pesquisa qualitativa para ter um percentual quase absoluto sobre a preocupação com o meio ambiente. Isso porque o quantitativo já revela de forma bastante explícita as perdas e danos dos últimos tempos. Só em 2022, mais de 520 brasileiros e brasileiros  foram assassinados pelas injustiças ambientais e climáticas e ao menos 7.300 precisaram se deslocar por conta dos mesmos extremos. Logo, quem vive — ou sobrevive — após testemunhar esses episódios possivelmente não ficaria imune aos receios sobre o meio ambiente. São nuances e camadas de medos e vivências, que mostram o abismo entre preocupação e conhecimento na prática. 


De volta aos bastidores da pesquisa mencionada, mais um dado curioso é que 79% dos participantes do estudo revelaram que se informam a partir de conversas com parentes, amigos e colegas de trabalho, 70% por meio de websites e 67% via WhatsApp. Como jornalista, fico com a sensação de que minha responsabilidade e comprometimento com todas formas de comunicação aumentam ainda mais diante de como a sociedade aprende, se informa e constrói opinião.

É por isso que conversas com negacionistas na fila da livraria importam. Porém, como estamos sempre correndo, atrasados e sobrecarregados das interações sociais, a construção das narrativas é facilmente comprometida pela anticiência e as fake news. E, nunca esqueçamos que o preço da falta de conhecimento é altíssimo. É o custo da vida. Da nossa vida. 

Andreia Coutinho Louback¨é jornalista pela PUC-Rio, mestre em Relações Étnico-raciais pelo CEFET/RJ e Fulbright scholar na University of California, Davis. É especialista em justiça climática e reconhecida como uma das vozes expoentes no debate de raça, gênero e classe na agenda climática no Brasil. É conselheira da Casa Fluminense, Prefeitura do Rio de Janeiro e ActionAid. Como parte do Humphrey Fellowship, fez uma residência profissional na United Nations Population Fund (UNFPA), localizada em Nova York, como especialista em justiça climática.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2023/06/21/quem-realmente-se-preocupa-com-o-clima-e-o-meio-ambiente

© 2024 Baru Observatório - Alguns direitos reservados. Desenvolvido por baraus.dev.