Estudo revela exclusão de saberes ancestrais na educação ambiental
Pesquisa aponta que o currículo das escolas ainda privilegia a racionalidade técnico-científica em detrimento dos conhecimentos de povos originários e comunidades tradicionais
Letícia Jury
19 de junho de 2025
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Antonio Nacílio Sousa dos Santos, doutorando pela Universidade Federal do Espírito Santo, juntamente com pesquisadores de diferentes cidades brasileiras, publicou o artigo 'Currículo Escolar como espaço em disputa - Educação Ambiental e Saberes de Povos Originários e Comunidades Tradicionais'. Para os autores, mais do que um simples repositório de conteúdos, o currículo escolar é um verdadeiro território simbólico em disputa. É nesse espaço que diferentes visões de mundo, valores e saberes se confrontam – e, muitas vezes, se excluem.
A pesquisa, de natureza qualitativa e fundamentada em ampla base teórica, investigou como a educação ambiental tem sido abordada nos currículos escolares e evidenciou um cenário de hegemonia da racionalidade técnico-científica ocidental, que ainda marginaliza os saberes ancestrais.
O trabalho parte de uma reflexão provocadora: como transformar o currículo em um espaço de valorização e acolhimento dos saberes ambientais cultivados por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais? A partir dessa pergunta, o estudo buscou compreender os limites e as possibilidades de construção de uma educação ambiental crítica, plural e decolonial.
Entre os principais achados, destaca-se a constatação de que o currículo escolar brasileiro reproduz uma lógica excludente, ignorando a diversidade epistêmica que compõe o território nacional. A predominância de uma visão técnica e capitalocêntrica da natureza deixa de lado formas de conhecimento baseadas na relação simbiótica com o meio ambiente, muitas vezes mantidas por gerações em comunidades invisibilizadas pelo sistema educacional.
Entretanto, a pesquisa também identificou experiências pedagógicas inspiradoras, em que escolas buscam integrar o conhecimento escolar ao território e à ancestralidade local. Essas práticas revelam brechas para uma reconfiguração do currículo, capaz de incorporar múltiplas racionalidades ecológicas e culturais.
A partir da análise de documentos curriculares e políticas públicas voltadas à educação ambiental e à interculturalidade, a pesquisa observou que os avanços são mais evidentes no discurso do que na prática. Embora a linguagem adotada em muitas diretrizes reconheça a importância da diversidade cultural e epistemológica, a implementação nas escolas ainda encontra obstáculos concretos, como a falta de formação docente adequada, o desconhecimento das culturas locais e a ausência de estratégias integradoras entre escola e comunidade.
Com base em autores como Boaventura de Sousa Santos, Enrique Leff, Vandana Shiva, Paulo Freire, Eliane Potiguara e Linda Smith, a pesquisa propõe uma ruptura com o pensamento único e um avanço rumo à justiça epistemológica: o reconhecimento efetivo de que outros modos de conhecer e se relacionar com a natureza são igualmente válidos e urgentes diante da crise ambiental global.
Ao final, o estudo deixa um chamado claro: resignificar o currículo escolar não é apenas uma questão de representatividade cultural, mas um imperativo para repensar o modo como educamos, compreendemos e habitamos o mundo.
Leia o artigo completo: https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/5130/7229