Logo Baru Observatório

Nova lei dos agrotóxicos e a repercussão entre ambientalistas, ruralistas e a indústria

Nova lei dos agrotóxicos acelera o tempo de aprovação desses produtos no Brasil.Texto foi sancionado no fim do ano por Lula, com restrições que foram bem recebidas por críticos do projeto e vistas com surpresa pela indústria. Caberá ao Congresso decidir se aceita ou não os vetos, na volta do recesso.

10 de janeiro de 2024

Compartilhe nas redes sociais

Letícia Jury com G1

Não é novidade para ninguém que, apesar de sua eficácia no controle de pragas, a exposição direta ou indireta aos agrotóxicos pode resultar em intoxicação aguda, manifestando-se por sintomas como náuseas, vômitos, dores de cabeça e tonturas. Estudos científicos têm associado a exposição a longo prazo a certos agrotóxicos com um aumento no risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer, incluindo câncer de mama, próstata, pulmão e leucemia.

Na última semana, publicamos uma matéria sobre a nova lei dos agrotóxicos. É importante destacar que desde 1989, o registro de agrotóxicos é feito em um modelo tripartite, com o Ministério da Agricultura, Ibama e Anvisa participando das decisões em pé de igualdade.

Os vetos que o presidente Lula fez à nova lei dos agrotóxicos desagradaram à indústria e à bancada ruralista, principalmente por retirar do Ministério da Agricultura a centralização de alguns processos, como as reanálises de riscos e alterações nos produtos químicos.

Os ambientalistas, que apelidaram o então projeto de lei de "PL do Veneno", até gostaram do que o presidente barrou, mas veem buracos e retrocessos que nem mesmo os vetos são capazes de resolver. Um deles é a redução do tempo de análise para a aprovação de um agrotóxico no Brasil.

A nova lei, sancionada em 28 de dezembro, foi considerada um meio-termo conquistado pelo relator no Senado, Fabiano Contarato (PT-ES), junto à bancada ruralista e alas progressistas, pondo fim a 24 anos de discussões.

Mas o texto não está totalmente resolvido: caberá ao Congresso manter ou não os vetos de Lula. A previsão é de que exista uma votação bicameral, em que Câmara e Senado vão decidir, juntos, se aceitam ou não as restrições. Isso após o recesso, que termina no próximo dia 2.

A decisão do presidente de barrar alguns pontos ocorreu após consultas a diversos ministérios, como o Meio Ambiente, Saúde e Trabalho. No total, o presidente Lula barrou 14 itens que, em resumo, a bancada ruralista já se articula para derrubar os vetos. “Nós temos votos para isso”, declarou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em suas redes sociais, logo após a sanção.

 
 

Abaixo compartilhamos matéria no G1, que detalha os vetos: 

Cinco dos vetos estão relacionados a pontos da lei que estabeleciam o Ministério da Agricultura, como o único órgão responsável pelas:

➡️ Por que foram vetados? No texto, o presidente Lula justifica que os trechos são "inconstitucionais" por excluir a Anvisa e o Ibama desses processos. Desde 1989, o registro de agrotóxicos é feito em um modelo tripartite, ou seja, com Agricultura, Ibama e Anvisa participando das decisões em pé de igualdade.

“O órgão responsável pelo setor da agricultura não possui competência legal, nem especialização técnica, para avaliar riscos toxicológicos [à saúde humana] ou ecotoxicológicos, mas, apenas, a redução da eficiência agronômica de agrotóxicos", disse o presidente.

➡️ Qual foi a repercussão? A advogada Tchenna Maso, da organização não-governamental Terra de Direitos e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), afirma que esses vetos foram importantes, apesar de entender que a nova lei, como um todo, é menos protetiva que a anterior, de 1989.

A Terra de Direitos é uma das entidades da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, que acompanhou toda a tramitação da nova lei.

Ela lembra, por exemplo, do caso emblemático do paraquate, agrotóxico associado à doença de Parkinson, que foi proibido no Brasil em 2020 por causa de uma determinação da Anvisa.

O Ibama também se pronunciou em relação aos vetos, afirmando que, "se aprovado o texto original", o instituto e a Anvisa atuariam apenas em "mera complementação" à atuação da Agricultura.

Já a CropLife Brasil, associação que reúne os fabricantes de agrotóxicos, disse, em nota, que ficou "surpresa" com a decisão do presidente, apesar de enxergar avanços na nova legislação.

Segundo a entidade, a liderança do Ministério da Agricultura "garantiria maior previsibilidade para o setor privado e eficiência para a administração pública", sem renunciar "aos rígidos critérios técnicos" da Anvisa e da Saúde.

Outros dois vetos estão relacionados a artigos da legislação que autorizavam os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente a liberar pedidos de agrotóxicos e produtos de controle ambiental à base de uma matéria-prima em reanálise, mesmo antes da conclusão do processo.

➡️ Por que foram vetados? Para evitar exposição humana e ambiental a produtos em reanálise, afirma o texto da Presidência.

➡️ Qual foi a repercussão? Os ambientalistas viram como positivo esse veto, mas destacaram que o faltou proibir o comércio de agrotóxicos em reanálise.

A advogada da Terra de Direitos lembra de novo do paraquate, que ficou durante nove anos em reanálise (de 2008 a 2017) e que só foi banido do mercado em 2020.

Um dos vetos foi para o trecho que dispensava as fabricantes de agrotóxicos de gravarem de forma indelével (ou seja, que não pudesse ser apagado), o nome da empresa e a advertência de que o recipiente não poderia ser reaproveitado.

➡️ Por que foi vetado? Segundo a Presidência, o objetivo foi evitar que as empresas se isentem da responsabilidade de garantir a destinação correta da embalagem. Além disso, visa prevenir que pessoas comuns reutilizem essas embalagens que, hoje, se enquadram na categoria de resíduos perigosos.

➡️ Qual foi a repercussão? O agrônomo Rogério Dias, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), diz que o problema desse veto é que ele criou um buraco na lei.

Isso porque o trecho não retirava a responsabilidade das empresas de prestar essas informações na embalagem. Apenas as dispensavam de fazerem isso de forma que o escrito "não apagasse".

"Esse item foi vetado por causa do termo 'indelével'. Mas, como ele foi vetado inteiro, ficou sem obrigatoriedade de ter isso no balde", pontua Dias.

A CropLife explica que a gravação indelével é uma gravação em alto relevo, e reforça que "estranhou" esse veto. "Atualmente, o Brasil possui um dos sistemas mais avançados de logística reversa do mundo, com destinação de 93% das embalagens usadas para reciclagem controlada. O veto representa, portanto, apenas custo adicional sem qualquer benefício ao meio ambiente", destacou.

Por fim, os últimos seis vetos criavam uma nova taxa para a avaliação e registro dos agrotóxicos e excluíam as tarifas já cobradas pelo Ibama e Anvisa por esses serviços. No novo sistema, os recursos arrecadados iriam para o Fundo Federal Agropecuário (FFAP), criado em 1962.

➡️ Por que foi vetado? A Presidência considerou esses trechos inconstitucionais pelo fato de a lei não definir as alíquotas e uma base de cálculo.

➡️ Qual foi a repercussão? Para entrevistados, criar ou derrubar taxas demandam discussões à parte da lei dos agrotóxicos e estudos mais profundos que, inclusive, poderiam ser tratados dentro do atual debate sobre a reforma tributária, por exemplo.

"Fora que já existem leis que dizem que esses serviços devem ser taxados", comenta o agrônomo Rogério Dias, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

Ele se refere às taxas cobradas pelo Ibama e pela Anvisa das fabricantes de agrotóxicos por serviços, como registros, reavaliações, etc.

Já a CropLife viu como um retrocesso esse veto. Segundo a entidade, tratava-se de uma taxa unificada que destinaria recursos para investimentos em agências regulatórias e "maior fiscalização de defensivos químicos agrícolas".

O g1 também procurou a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

© 2024 Baru Observatório - Alguns direitos reservados. Desenvolvido por baraus.dev.