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A quem interessa a lei europeia antidesmatamento?

Aos indígenas, sem dúvida; estranho é o governo federal reagir com virulência

30 de agosto de 2023

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O governo brasileiro iniciou uma não muito discreta operação para minar a regulação de desmatamento da União Europeia. Autoridades de vários ministérios têm se manifestado em público contra a lei, aprovada no ano passado, que veda a entrada no mercado europeu de commodities produzidas em áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020. Segundo essas pessoas, a regulação é "unilateral", "discriminatória" e passível de questionamento nos órgãos multilaterais de comércio. Uma crítica velada à lei apareceu até mesmo na declaração de chefes de Estado da Cúpula da Amazônia, em 8 de agosto último.

É uma pena que o governo, até agora, não tenha chamado os povos indígenas para conversar sobre o assunto. Se tivessem nos consultado, saberia que, para nós, a lei da UE é mais do que bem-vinda: é uma esperança de proteção aos nossos territórios, ao nosso modo de produção e à nossa própria existência.

Seu defeito é não incluir outros biomas (cerrado, pampa, Pantanal e caatinga), limitando-se apenas às formações florestais.

A lei é um avanço porque ataca o problema do desmatamento pelo lado da demanda. Os consumidores europeus não querem mais comprar carne, soja e madeira produzidas às custas de aquecimento global, destruição da biodiversidade e violações a direitos humanos. Essa tendência é global e irreversível: hoje é a Europa, amanhã os EUA e, logo mais, quem sabe, a China. Quanto mais catástrofes climáticas se sucedem, menos tolerável o desmatamento se torna.

O Brasil vem atacando o mesmo problema pelo lado da oferta. O presidente Lula se comprometeu a zerar o desmatamento até 2030 e, por enquanto, está caminhando nesse sentido: apesar de o Congresso trabalhar contra, o governo conseguiu desacelerar o desmate na Amazônia, que vinha subindo em ritmo explosivo. É estranho, portanto, que o Executivo venha reagindo de modo tão virulento quando tem o mesmo objetivo que a UE.

Além disso, nenhum país tropical está tão bem preparado para atender aos requisitos europeus —e ganhar com isso— quanto o Brasil. Nós temos o melhor sistema de monitoramento de desmatamento do mundo.

Temos linhas de crédito para recuperação de pastagens, que vêm aumentando a renda do produtor, multiplicando a produtividade e fixando carbono no solo. E embora o desmatamento seja grande em termos absolutos, ele é minoritário: apenas 3% das propriedades rurais do Brasil sofrem desmate, segundo dados do MapBiomas. Um estudo recente mostrou ainda que somente 20% da soja e 17% da carne exportadas da Amazônia e do cerrado para a Europa estão contaminadas com desflorestamento.

Opor-se à regulação da UE, portanto, significa proteger uma minoria de ilegais em vez de recompensar a grande maioria que faz a coisa certa.

É louvável, especialmente após o pesadelo dos últimos quatro anos, que o Brasil tenha um governo e um presidente prometendo olhar para nós. Mas promessas não bastam. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) costuma dizer que pessoas virtuosas criam instituições virtuosas para corrigi-las quando falharem em suas virtudes. A lei europeia serve para institucionalizar a virtude. Não dá para ser contra isso.

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